A Família x Novas Tecnologias

A família x novas tecnologias

A família x novas tecnologias… Vivemos em uma sociedade onde as novas tecnologias se tornaram parte intrínseca do cotidiano, influenciando diretamente a vida de todos, especialmente da família e das crianças. O acesso precoce a dispositivos eletrônicos e à internet tem transformado a maneira como elas interagem, aprendem e se desenvolvem. Diante desse cenário, surge um questionamento essencial: qual é o papel da família na mediação do uso digital das crianças? Este artigo busca explorar essa questão à luz de dados recentes e fundamentação teórica de neurocientistas e psicólogos, oferecendo orientações sobre como os pais podem gerenciar essa relação entre seus filhos e a tecnologia.

A família x novas tecnologias

Família x novas tecnologias e o desenvolvimento infantil

As novas tecnologias, embora ofereçam inúmeras vantagens, também trazem preocupações significativas quando se trata do desenvolvimento infantil. Estudos mostram que o uso excessivo de dispositivos eletrônicos pode impactar negativamente diversas áreas do desenvolvimento cognitivo, emocional e social das crianças.

Um estudo realizado pelo Pew Research Center (2020) revelou que 80% dos pais se preocupam com o tempo que seus filhos passam na frente de telas. Evidente que essa preocupação não é sem fundamento. A  American Academy of Pediatrics recomenda que crianças de até 18 meses não sejam expostas a telas, exceto em chamadas de vídeo. Dessa forma, orienta que o uso de tecnologia para crianças entre 2 e 5 anos seja limitado a uma hora por dia, com conteúdo de alta qualidade.

A neurociência fornece importantes insights sobre o impacto da tecnologia no cérebro das crianças. Segundo a neurocientista Maryanne Wolf, autora do livro O Cérebro no Mundo Digital (2018), a interação constante com dispositivos digitais pode alterar a forma como o cérebro desenvolve funções críticas, como a capacidade de leitura profunda e o foco prolongado. A leitura superficial, que ocorre durante a navegação digital, pode prejudicar a habilidade das crianças de processar informações de maneira mais aprofundada, pois afeta a compreensão e o raciocínio.

Outro ponto destacado por neurocientistas é o impacto do excesso de estímulos digitais. O cérebro infantil, em fase de formação, é extremamente sensível a estímulos externos, e a exposição contínua a conteúdos digitais pode sobrecarregar o sistema cognitivo, como alertam os estudos de Manfred Spitzer (2012) em seu livro Digitale Demenz (Demência Digital). Ele argumenta que o uso descontrolado de dispositivos eletrônicos na infância pode prejudicar o desenvolvimento das funções cognitivas superiores, como a memória de trabalho, a atenção e o controle inibitório, que são essenciais para a aprendizagem escolar.

Família x novas tecnologias e o desenvolvimento socioemocional

Além dos efeitos cognitivos, a tecnologia também exerce uma influência significativa no desenvolvimento socioemocional das crianças. Psicólogos como Sherry Turkle, professora do MIT e autora de Alone Together (2011), destacam que o uso excessivo de dispositivos eletrônicos pode prejudicar a capacidade das crianças de desenvolverem relações interpessoais saudáveis. A interação por meio de telas pode limitar a prática de habilidades sociais, como a empatia, a escuta ativa e a comunicação não verbal.

As afirmativas destes e tantos outros profissionais ligados à saúde mental já são evidentes no dia a dia em nossa sociedade. Observa-se que os adolescentes e jovens não conseguem manter um ritmo de diálogo por muito tempo; logo cada um lança mão de seus aparelhos eletrônicos e o silêncio se estabelece no grupo. O mais assustador é que nossas crianças e os adultos estão se adequando a esse movimento. O distanciamento entre as pessoas e até mesmo na família tem alcançado uma proporção cada vez maior.

Um estudo realizado pela University of Michigan (2015) constatou que crianças que passam mais tempo em frente a telas apresentam dificuldades em interpretar emoções alheias e em manter interações face a face. A pesquisa mostrou que as crianças expostas a menos tempo de tela tiveram um desempenho superior na interpretação de emoções e na resolução de conflitos sociais.

Esses achados estão alinhados com o conceito de “atenção compartilhada”, muito discutido por especialistas em desenvolvimento infantil, como Lev Vygotsky. A interação social é um dos principais pilares para o aprendizado humano, e a mediação familiar pode ser fundamental para assegurar que as crianças não percam oportunidades de desenvolver essas habilidades essenciais para a vida em sociedade.

 

O papel da família x uso das novas tecnologias

Diante desses impactos das novas tecnologias, o papel da família na mediação do uso digital se torna central. A participação ativa dos pais é fundamental para equilibrar os benefícios e os riscos associados à interação precoce com dispositivos eletrônicos.

Limites para o tempo de tela

Um dos principais desafios para os pais é a definição de limites adequados para o uso de dispositivos eletrônicos. Especialistas como o psicólogo britânico Richard Freed sugerem que os pais adotem uma abordagem proativa, impondo limites saudáveis. Em seu livro Wired Child (2015), Freed argumenta que a tecnologia não deve ser demonizada, mas seu uso excessivo pode criar uma dependência psicológica semelhante à de substâncias químicas. A recomendação é estabelecer horários bem definidos para o uso de telas, garantindo que as crianças tenham tempo suficiente para outras atividades essenciais ao desenvolvimento, como brincadeiras ao ar livre, leitura e interações sociais presenciais.

Um estudo da University of California revelou que crianças que tinham limites claros sobre o uso de tecnologia em casa apresentavam melhor desempenho acadêmico e maior estabilidade emocional. A presença de regras consistentes contribui para o desenvolvimento da autodisciplina e do controle sobre o tempo dedicado às telas.

Conselhos práticos

Para garantir que as crianças desenvolvam uma relação saudável com a tecnologia, a criação de bons hábitos digitais desde cedo é fundamental. Segundo o psicólogo infantil Laurence Steinberg, especialista em desenvolvimento adolescente, os hábitos formados na infância tendem a se manter ao longo da vida. Por isso, o papel da família é essencial na construção de uma rotina equilibrada de uso de dispositivos eletrônicos.

Os pais podem começar dando o exemplo. Crianças observam e imitam o comportamento dos adultos ao seu redor. Se os pais mantêm uma relação equilibrada com a tecnologia, alternando o uso de dispositivos com momentos de leitura, atividades físicas e interação social, as crianças tendem a seguir esse padrão. A consistência entre o que os pais dizem e o que fazem cria um ambiente mais propício para que as crianças internalizem o uso responsável da tecnologia.

Além disso, a comunicação aberta dentro da família é uma ferramenta poderosa para a construção de bons hábitos digitais. Conversar com as crianças sobre os benefícios e os perigos da tecnologia, discutir os tipos de conteúdo apropriados e explicar por que certos limites são importantes ajuda a promover a compreensão e a aceitação das regras estabelecidas. As famílias que mantêm um diálogo constante sobre o uso da tecnologia tendem a ter mais sucesso na mediação do uso digital, pois as crianças se sentem mais seguras e envolvidas no processo de tomada de decisão.

Escolhendo conteúdos de qualidade

Outro ponto crucial na mediação familiar é a seleção cuidadosa dos conteúdos aos quais as crianças são expostas. Nem todo conteúdo digital é prejudicial; existem aplicativos, jogos e vídeos educativos que podem promover o aprendizado de maneira lúdica e interativa. O acompanhamento dos pais é essencial para garantir que as crianças acessem materiais que estimulem a criatividade, o pensamento crítico e o desenvolvimento de novas habilidades.

A Common Sense Media, organização voltada para a análise de mídia infantil, destaca que aplicativos educacionais podem ser ferramentas valiosas se usados com moderação. Conteúdos como jogos de lógica, vídeos de documentários e aplicativos de leitura podem complementar o processo de aprendizagem escolar, desde que acompanhados por uma supervisão ativa dos pais.

Um exemplo de como a tecnologia pode ser integrada ao desenvolvimento cognitivo é o uso de aplicativos voltados para o aprendizado de línguas. Pesquisas mostram que crianças que utilizam esses aplicativos de maneira moderada podem desenvolver habilidades linguísticas mais rapidamente, aproveitando as interações dinâmicas proporcionadas por essas ferramentas. Em um estudo realizado pela Carnegie Mellon University (2021), crianças que usaram aplicativos educacionais para aprender um segundo idioma apresentaram melhoras significativas no vocabulário e na compreensão auditiva, em comparação com aquelas que seguiam métodos tradicionais de ensino.

O envolvimento dos pais no uso da tecnologia

O envolvimento ativo dos pais é fundamental para que a tecnologia seja uma ferramenta positiva. Quando os pais compartilham momentos digitais com os filhos, como assistir a vídeos educativos juntos ou jogar um jogo que estimule o raciocínio lógico, eles criam oportunidades de aprendizado conjunto e reforçam o vínculo familiar.

O psicólogo e autor John Coleman, em seu livro The Digital Age: How Families Can Survive and Thrive (2017), destaca que a tecnologia pode ser uma aliada quando usada como uma oportunidade de interação familiar. O uso conjunto permite que os pais guiem as crianças, discutam o conteúdo e incentivem o pensamento crítico, ajudando-as a desenvolver uma relação saudável com o digital.

Educando para o uso consciente e seguro

Outro aspecto essencial na mediação do uso digital é a educação das crianças para a navegação segura na internet. As crianças, muitas vezes, não têm consciência dos riscos associados ao mundo digital, como a exposição a conteúdos inadequados ou a interação com estranhos em plataformas de redes sociais e jogos online.

Especialistas em segurança digital, como a psicóloga norte-americana Lisa Damour, alertam sobre a importância de os pais educarem seus filhos para identificar situações de risco e protegerem sua privacidade. Ferramentas como controles parentais podem ser úteis, mas é fundamental que as crianças aprendam a tomar decisões conscientes e responsáveis por conta própria. Ensinar as crianças a respeitarem os limites de privacidade de outros, evitar o compartilhamento de informações pessoais e compreender o impacto das interações digitais são lições cruciais para a vida no mundo digital.

A necessidade do equilíbrio

Uma abordagem equilibrada entre o uso da tecnologia e outras atividades é um dos maiores desafios para as famílias. A tecnologia deve ser complementada por atividades que promovam o desenvolvimento físico, cognitivo e social das crianças. Atividades ao ar livre, jogos de tabuleiro, leitura de livros físicos e interações face a face com outras crianças são essenciais para que elas possam desenvolver um conjunto diversificado de habilidades.

De acordo com a psicóloga Catherine Steiner-Adair, autora de The Big Disconnect (2013), o equilíbrio é a chave para garantir que as crianças se beneficiem da tecnologia. Sabemos que uma das maiores dificuldades do ser humano é viver em equilíbrio, no entanto, é essencial para uma vida saudável. O que os pais necessitam compreender é que as crianças e os adolescentes, principalmente, precisam de tempo de qualidade em família, mas longe das telas.Com esse entendimento será possível criar conexões pessoais e emocionais em família, tornando-os adultos saudáveis e consequentemente pais e profissionais bem-sucedidos.

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Algumas considerações

Isto posto, torna-se evidente que as novas tecnologias são uma realidade inevitável no mundo contemporâneo.  Portanto, cabe às famílias o papel de mediar o uso desses recursos de forma consciente e equilibrada.

O desenvolvimento cognitivo, emocional e social das crianças pode ser profundamente influenciado pelo uso excessivo e inadequado de dispositivos eletrônicos.  Contudo,  essas novas tecnologias podem oferecer oportunidades valiosas de aprendizado quando bem utilizada.

Portanto, pais e responsáveis devem estar atentos aos impactos da tecnologia na vida das crianças. Em suma, o pappel da família é estabelecer limites claros, selecionando conteúdos de qualidade, envolvendo-se ativamente no uso digital e educando-os para a navegação segura. A mediação e a conexão familiar são chaves para garantirem que as crianças e os adolescentes cresçam em um ambiente saudável. As novas tecnologias precisam ser vistas como ferramentas aliadas, e não um obstáculo ao desenvolvimento das crianças e adolescentes.

Profa Dra Miriam Abreu

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