As palavras libertam ou aprisionam. A linguagem é uma ferramenta poderosa que pode tanto libertar quanto aprisionar uma pessoa. Essa afirmação é mais do que um simples jogo de palavras; é uma realidade que impacta profundamente nossas vidas e, especialmente, a vida de nossas crianças e adolescentes.
Sabemos que desde a gestação e o momento em que nascem, os filhos absorvem tudo o que ouvimos e dizemos. Portanto, é crucial que estejamos atentos ao que falamos e ouvimos, pois nossas declarações podem moldar a autoestima e a capacidade de aprendizagem deles.
Por anos atendendo estudantes com dificuldades de aprendizagem e suas respectivas famílias, pude confrontar a teoria com uma triste realidade. Muitas crianças e adolescentes estão com seu cognitivo travado por vivenciarem em suas famílias ambientes tóxicos quanto a linguagem e falta de afetividade.
Identidade – As palavras libertam ou aprisionam
É essencial que estejamos atentos ao que falamos e declaramos às crianças e adolescentes, pois através de nossa língua podemos construir ou destruir trajetórias de vidas.
Desde os primeiros anos de vida, as crianças estão em um processo constante de formação de identidade. Elas aprendem sobre si mesmas e sobre o mundo ao seu redor através das interações com os adultos. Segundo a neurocientista doutora Rosana Alves, as palavras que usamos têm um impacto direto no desenvolvimento cerebral das crianças. Quando uma criança ouve repetidamente que não é capaz, seu cérebro começa a internalizar essa mensagem. Isso pode desencadear uma série de problemas emocionais e cognitivos. Palavras de incentivo e apoio promovem a autoestima e a confiança, enquanto críticas constantes e negativas podem levar a sentimentos de inadequação e insegurança.
O psicólogo Léo Fraiman reforça essa ideia ao afirmar que nossas palavras e atitudes têm um impacto poderoso no desenvolvimento das crianças e adolescentes. Sendo assim, uma educação baseada no respeito e amor é fundamental para o crescimento saudável de crianças e adolescentes, tornando-os jovens e adultos realizados.
Além disso, Fraiman destaca que as palavras não apenas moldam a percepção que a criança tem de si mesma, mas também influenciam suas relações sociais. Quando uma criança é constantemente criticada, ela pode desenvolver um comportamento de evitação, afastando-se de situações que exigem interação social ou aprendizado. Essa evitação pode resultar em um ciclo vicioso, onde a falta de interação leva a mais dificuldades de aprendizagem.
Portanto, quando rotulamos uma criança como “burra” ou “preguiçosa”, estamos, na verdade, reforçando comportamentos negativos e limitando seu potencial de aprendizado.
Desta forma, podemos afirmar que existe uma importante conexão entre aprendizagem e emoção saudável. Claro que não podemos olhar somente para esse aspecto. Existem outros fatores que contribuem para a existência de uma dificuldade de aprendizagem ao longo da trajetória estudantil de uma criança ou adolescente. Porém, a linguagem utilizada no meio familiar é uma ferramenta determinante no processo de ensino e aprendizagem. Infelizmente, muitos estudantes enfrentam sérias dificuldades de aprendizagem devido a mensagens e modelos negativos vivenciados no ambiente familiar.
Habitus – As palavras libertam ou aprisionam
O sociólogo francês Pierre Bourdieu introduziu o conceito de habitus para explicar como as disposições adquiridas ao longo da vida influenciam nossas ações e percepções. O habitus é simultaneamente individual e social, funcionando como um mecanismo de mediação entre sociedade e indivíduo. Pertence ao domínio coletivo de um grupo ou classe, mas também é internalizado subjetivamente pelos indivíduos que o compõem, orientando suas escolhas e ações nas relações sociais.
Sendo assim, no contexto familiar, as palavras e atitudes dos pais e de todos os membros da família contribuem para a formação do habitus das crianças e adolescentes. Se uma criança cresce em um ambiente onde é constantemente desmotivada ou criticada, ela internalizará essas percepções, o que pode afetar negativamente seu desempenho escolar e social. Por outro lado, um ambiente encorajador e positivo favorece a construção de um habitus que promove o sucesso e o bem-estar, pois a auto-confiança é essencial no processo de ensino e aprendizagem.
Comunicação – As palavras libertam ou aprisionam
Sendo assim, para evitar que nossas palavras aprisionem nossos filhos, é importante adotarmos estratégias de comunicação que promovam seu desenvolvimento saudável. Aqui estão algumas dicas práticas:
– Evite rótulos negativos: Em vez de chamar a criança de “preguiçosa” ou “incompetente”, foque em comportamentos específicos que precisam ser melhorados. Eles precisam se sentir seguros diante dos desafios escolares e da própria vida como um todo. Portanto, assuma a postura de um adulto que demonstra preocupação com sua formação integral;
– Ofereça elogios sinceros: Reconheça e valorize os esforços e conquistas da criança e do adolescente, por menores que sejam. Assim sendo, o incentivo, a motivação equilibrada fará parte do processo de ensino e aprendizagem, começando na família;
– Pratique a escuta ativa: Demonstre interesse genuíno pelo que a criança tem a dizer, fortalecendo sua autoestima e confiança. Como orientadora educacional ouvi, por anos, crianças e adolescentes dizerem que seus pais ignoravam o que sentiam ou as suas dificuldades escolares. Muitos externalizavam “uma certeza” de que não eram amados. Portanto, faça-os perceber que você, realmente, está presente quando dialogar com seus filhos;
– Seja um modelo positivo: As crianças e adolescentes aprendem pelo exemplo. Portanto, pratique a comunicação respeitosa e empática no dia a dia. É impossível eles aprenderem o que é respeito se no meio familiar um membro desrespeita o outro e fica por isso mesmo. Gosto de afirmar que o primeiro livro que seu filho lerá será a prática de seus pais em família;
– Estabeleça limites com amor: Disciplina e respeito são necessários, mas devem ser aplicados de forma construtiva, sem humilhações ou agressões verbais. É importante ficar claro que autoridade não é autoritarismo. Autoridade se conquista, autoritarismo se impõe.
Conclui-se que a comunicação positiva é uma ferramenta poderosa que pode transformar a vida de famílias e consequentemente a trajetória estudantil de seus filhos. Ao invés de focar nas falhas, devemos celebrar as conquistas e esforços. Isso não significa ignorar os erros, mas sim abordá-los de maneira construtiva.
Algumas Considerações
Em síntese, as palavras têm o poder de libertar ou aprisionar. Como pais e educadores, temos a responsabilidade de utilizar a linguagem de forma consciente e positiva, promovendo o desenvolvimento saudável de nossos filhos.
Portanto, devemos sempre estar atentos ao que falamos e declaramos aos nossos filhos. Podemos construir um ambiente que favoreça o aprendizado, a autoestima e o bem-estar emocional de nossas crianças e adolescentes, preparando-os para enfrentarem os desafios da vida com confiança e resiliência.
Referências
ALVES, R. (n.d.). Doutora Rosana Alves – Educação de Filhos. [YouTube Video]. Obtido de.
FRAIMAN, L. (n.d.). Nossas palavras e atitudes têm um impacto poderoso no desenvolvimento das crianças e adolescentes. [Instagram Post]. Obtido de.
BOURDIEU, P. (n.d.). A teoria do habitus em Pierre Bourdieu: uma leitura contemporânea. [SciELO Article]. Obtido de.
Profa Dra Miriam Abreu
Autora