Estratégias Escolares

Estratégias Escolares

Assim como as famílias orquestram estratégias quanto a educação e escolarização de seus filhos, observamos que, para as instituições escolares, o desenvolvimento de estratégias escolares que visem atrair e selecionar sua clientela é de fundamental importância, uma vez que esse grupo tem se colocado como organização que comercializa o seu produto, no caso, o “conhecimento”. É nessa mobilização das estratégias por parte do “mercado escolar” na contemporaneidade que podemos observar um entrecruzamento com as estratégias familiares.

Portanto, posso compreender que, para esses “empresários do conhecimento”, que estão a serviço dos grupos mais privilegiados da sociedade, por possuírem um acúmulo maior de capital econômico, cultural e social, é fundamental que suas “empresas” sejam capazes de desenvolver em seu cliente em potencial – o aluno – uma disciplina de estudo, autonomia e espírito crítico. Sem contar o preparo para o enfrentamento de situações que lhe exigirão autoconfiança e controle emocional, como concursos, vestibulares, Exame Nacional Ensino Médio (Enem), etc.

Assim sendo, o “mercado educacional” tem sido favorecido pelo fenômeno da alta seletividade no campo do trabalho, em que, geralmente, a oferta é menor que a procura. Dessa forma, os “[…] proprietários das escolas particulares têm um forte incentivo para satisfazer os pais e estudantes […], tornando, assim as escolas sensíveis às suas demandas.” (BALL, 1995, p. 199).

Conforme Diogo (2012), quanto mais atrativa a escola for, mais sofisticados serão os seus critérios de seleção, de forma a conservar os “melhores” estudantes. Dessa forma, compreendemos que os interesses tanto da família quanto da escola se harmonizam, pois passa-se a ter grupos de estudantes mais distintos e, consequentemente, uma escola mais competitiva no “mercado escolar”. Estabelece-se, assim, uma distinção para os dois grupos. “[…] quanto mais seletiva uma escola, mais ela se tornará desejável” (BALL, 1995, p. 205).

O que está posto pelas famílias mais favorecidas econômica e culturalmente em nossa sociedade é que elas estão dispostas a investir no mercado escolar, mas, em contrapartida, requerem resultados, tais como: qualidade no ensino para que seus filhos possam concorrer de forma “leal” nos concursos, Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), vestibulares; desenvolvimento da autonomia e criticidade diante dos fenômenos sociais; boa convivência e segurança no ambiente escolar e parceria entre escola-família.

Assim sendo, o que se percebe é que a existência e a perpetuação deste “mercado escolar” são alimentadas pelas estratégias familiares e vice-versa, no sentido de proporcionarem aos seus estudantes condições de “concorrência leal” diante de processos seletivos.

Nesse sentido, essas escolas oferecem o que o mercado lhe está solicitando, ou seja, o preparo de sua clientela para o enfrentamento de avaliações escolares externas que lhes exigirão conhecimento tanto no aspecto cognitivo quanto emocional, uma vez que algumas delas oferecem apoio de profissionais da área da psicologia e de orientação educacional.

Retomando a metáfora do “sentido do jogo”, já apresentada no artigo “Estratégias familiares”, podemos afirmar que, nesse jogo social, não se joga aleatoriamente e/ou impunemente. Portanto, esse “mercado escolar” a cada ano vem demonstrando a apreensão e “um certo” domínio da lógica desse jogo, usando assim da criatividade nas estratégias para ajustar-se às necessidades impostas por um dado grupo social, no caso as famílias que podem consumir. Esse “sentido do investimento”, do qual Bourdieu (2008) trata, só é possível a partir do capital cultural herdado. Enfim, essa lógica prática defendida por Bourdieu é que tem por base o volume e a qualidade dos capitais herdados e mobilizados pelos agentes, no caso a família, e é o que possibilita a esses agentes fazerem escolhas que proporcionarão sua reprodução e ascensão social.

De certo modo, é possível afirmar a existência de uma intencionalidade nas práticas dessas escolas, que têm apresentado disposições capazes de tornar os seus alvos bem reconhecidos: famílias que procuram o êxito no que se refere ao conhecimento, acesso às “melhores escolas” e “melhores cursos”, visando distinção social para os seus filhos. E, como consequência disso, tais escolas alcançam o seu estabelecimento no campo educativo, seguindo a lógica do mercado.

Ao olhar para as famílias e as escolas, percebe-se um crescente investimento por parte desses dois grupos em relação à educação escolar. Diogo (2012, p. 180) aponta que isso se deve ao reconhecimento, por parte das famílias, de que o diploma se constitui parte essencial para ascensão socioprofissional de seus filhos. Destaca que o cenário de incertezas nessa transição da escola para o emprego e a crescente desvalorização do diploma tem levado as famílias a buscarem novas estratégias de escolarização como forma de distinção social. Essa distinção é considerada vital para as classes mais favorecidas.

Para a autora, isso se deve às mudanças econômicas, culturais e educacionais que têm possibilitado novas condições para a ação dessa parcela da sociedade. As famílias das classes média e alta têm “[…] consciência de que o contexto escolar frequentado é um ingrediente fundamental para marcar a diferença na carreira escolar de seus filhos, a escolha da escola (ou da turma) surge cada vez mais no centro das estratégias, mas também, da reflexividade.” (DIOGO, 2012, p. 180).

A autora observa ainda que a crescente familiaridade com os conhecimentos e procedimentos científicos, por parte desse grupo, têm contribuído para que ele se identifique como protagonista de seu destino. Isso se expressa pelo nível do investimento escolar dessas famílias e pela busca incessante de informação.

Dessa forma, a ação familiar transmite bens culturais que se agregam para dar origem ao capital cultural dos sujeitos, que poderá ou não ser apropriado na socialização secundária. A família, portanto, é o sujeito principal das estratégias de reprodução, que se encontram vinculadas a outras, como estratégias de fecundidade, estratégias matrimoniais, estratégias de herança, estratégias econômicas e, por fim, estratégias educativas.

Portanto, a transmissão do capital cultural, que é aperfeiçoado pela escola, é de responsabilidade da família, o que possibilitará ao filho o domínio dos códigos que servem de acesso a bens como obras de arte, música, cinema, teatro, leituras, pinturas, entre outros, uma vez que “[…] a ação do meio familiar sobre o êxito escolar é quase exclusivamente cultural.” (BOURDIEU, 2002, p. 42).

Corroborando essa ideia, Singly (2007, p. 51) afirma que “É a instituição escolar que assegura o certificado, os diplomas ou tipo de marca da qualidade, segundo critérios que lhe são próprios.” Portanto, o investimento das famílias na escolarização dos filhos deve-se ao fato de o capital escolar ser dominante no processo de reprodução da estrutura do espaço social, realizada mediante os diferentes tipos de capitais.

Referências

BALL, S. Mercados educacionais, escolha e classe social: o mercado como estratégia de classe. In: GENTILI, P. (Org.). Pedagogia da exclusão: crítica ao neoliberalismo em educação. 5. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

DIOGO, A. M. Estratégias de família e escolas: composição social e efeitos da escola. In: DAYRELL, J. et al. (Org.) Família, escola e juventude: olhares cruzados Brasil-Portugal. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012, p. 172-194.

BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

____________. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Tradução de Mariza Corrêa. 9 ed. Campinas: Papirus, 2008.

SINGLY, François de. Sociologia da família contemporânea. Trad. Clarice Ehlers Peixoto, Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007. (Família, geração & cultura)

 

Leia mais – Este artigo faz parte de meu livro “Famílias e Escolas Militares”, da Editora Apriss, pág. 42-45. É produto de minha tese de doutorado em educação pela UFMS. Convida-nos a um olhar sobre a orquestração de estratégias familiares e escolares de acesso e permanência de estudantes na educação básica. É uma obra destinada a famílias, educadores e acadêmicos.

https://editoraappris.com.br/produto/familias-e-escolas-militares/

 

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